quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Por um futuro melhor









Os sábados passavam muito rápido. Era logo no começo da tarde que eu colocava no canal USA e acompanhava varias e varias horas de Jornada nas Estrelas. Quando olhava para fora, já era noite. Nem tinha visto passar. E era uma delicia. Não poderia ser chamado de binge watch porque os episódios dificilmente eram sequenciais e, além disso, eram séries diferentes. Por um tempo passou dois episódios de Nova Geração, dois de Deep Space Nine e 2 de Voyager. Eu não fazia planos de assistir todos, nem pensava que iria ficar tanto tempo assistindo. Só acontecia. O episódio seguinte era bom, eu me distraia e quando percebia, já estava preso por um anzol.

Mas essa ligação com a série vinha de antes. De muito antes. Minha mãe adorava a série clássica. Cresceu com uma quedinha pelo capitão Kirk e sempre que podia, assistia. Ela tinha uma das mais invejáveis coleções de VHS que eu já vi, e me fez rodar a cidade atrás do VHS do ultimo filme de Jornada nas Estrelas que ela pode ver, em uma época que os DVDs já havia dominado todas as prateleiras. Não lembro como, mas encontrei, ainda bem.

Depois de assistir muito com ela, comecei a assistir sozinho, só para descobrir que vários amigos meus nutriam o mesmo gosto, tinham a mesma ligação. E ai vieram as convenções de Jornada no auditório Elis Regina. Começamos a ir alguns, não todos. Um pouco com medo de não saber como seriam essas convenções. Fomos tomando gosto. A coisa era feita por fãs e para fãs. Não tinha muita invenção não. Rolavam algumas ótimas palestras, tinha espaço para comprar coisas das séries e, o principal, passavam episódios que não estavam nem perto de passar por aqui ainda. Com o tempo, passamos a ser muitos de nós indo, encontrando até minha querida professora Alice lá, como boa trekker que é. Muito mais enturmados e conhecendo melhor como funcionavam as coisas nas convenções chegamos até a causar algum frisson e termos nossos minutinhos de fama.

Hoje, dia 8 de setembro, a série faz 50 anos. Cinquenta anos de uma série que foi cancelada na sua terceira temporada e que nunca mais saiu da cultura mundial. Passei essa ultima semana devorando tudo que eu pude de Jornada nas Estrelas. Um especial da Time Magazine super completo, especial do History Channel, um sem número de entrevistas, especiais dos capitães, reencontro de elenco, convenções famosas filmadas, episódios favoritos, livros, jogos, enfim, tudo que eu pude colocar minhas mãos. E claro, assisti ao filme novo também. Na estréia, como costumava ser.

Entendi um pouco mais do fenômeno. O momento em que nasceu a primeira temporada da série clássica era o momento certo. O criador havia lutado na guerra como piloto de bombardeiro e havia começado a carreira na televisão havia pouco tempo. As séries haviam começado a sair dos western e surgiam os primeiros sitcoms e séries de ficção científica. Essas séries miravam o público mais jovem e estavam ganhando audiência, parecia ser um território bom para se arriscar. A NBC não queria ficar atrás e encontrou em Jornada nas Estrelas a sua série para apostar. Produzida pela Desilu, produtora da Lucille Ball (de I Love Lucy), Jornada nas Estrelas seria cercada de polêmicas em seu casting: Um oriental, um russo, um escocês, um alienígena e uma mulher negra, liderados por um capitão que, apesar de americano na série, era interpretado por um ator canadense. Em plena guerra fria, em plena luta por direitos das mulheres, em plena luta pelos direitos dos negros.

Jornada nas Estrelas surpreendia. Seu primeiro episódio foi assistido por 47% das televisões norte-americanas. Mas o interesse na série foi caindo, a emissora mudava o horário e o dia que a série passava, sempre levando para um horário pior e pior. A série causava polêmica e não só no seu casting, mas principalmente nos seus temas. Tratava de temas adultos, ligado ao que estava acontecendo no mundo, forçando a reflexão. Além disso, teve o primeiro beijo inter-racial da televisão. Uhura e Kirk se beijaram e grande parte das televisões associadas do sul dos Estados Unidos preferiram não mostrar o episódio para não chocar seus telespectadores. Tentaram cancelar a série uma vez, no final da segunda temporada, mas o fãs não deixaram. Mandaram mais de 100 mil cartas para a NBC, além de acampar na porta pedindo o não cancelamento. Funcionou, mas só por mais uma temporada. Em 1969 a série clássica acabava.

Mas a série passaria de novo, e de novo, e de novo. Reprises e mais represes. Arrebanhando novos fãs a cada nova exibição. Lançou-se um desenho animado.  E ai veio Guerra nas Estrelas e era preciso entrar na esteira do filme. Surge o primeiro filme de Jornada nas Estrelas. O filme se banca e abre as portas para o segundo. O segundo vai incrivelmente melhor, um sucesso. Vem o terceiro, o quarto... Estava na hora de voltar para a televisão também, mas com uma nova geração, anos e anos depois. Os filmes continuam saindo. E novas séries surgem, com um capitão negro e uma capitã. Jornada sempre avançando e sempre fazendo como se não estivesse fazendo nada demais, seguindo o que é natural apenas, sem se auto referenciar, sem se festejar.

Mas as séries seguiram seus cursos. O número de canais nas televisões subiu muito. Mais produções, melhores produções, mais dinheiro investido, a concorrência fica apertada. A tecnologia inventada pela série já estava sendo alcançada. O fenômeno dos fãs, das convenções, dos cosplays, que Jornada havia trazido já estavam no mundo e funcionavam para muitas outras séries, filmes e diferentes mídias. Jornada precisava parar. Seus criado havia morrido ha muito e quem o seguiu pareceu ter esgotado o meio. Anos se passam e a gigantesca franquia cai nas graças do novo midas do cinema. 3 novos filmes. Sucessos de bilheteria. Jornada estava de volta, renovada, para os novos tempos. O humor, a ação e a aventura, todos no ritmo perfeito. Só não se pode descuidar e deixar que a série que sempre tentou nos fazer pensar, discutir e refletir, seja reduzida apenas a aventura. No ano que vem sai uma nova série também, que pode aprender muito com o que a televisão tem feito nos últimos anos. Não ter medo de nos forçar a pensar, não ter medo de ser pesada quando precisar ser, e sempre se manter a frente do seu tempo, como sempre fez.

Jornada nas Estrelas não é grande apenas pelo o que eu contei agora, ou por seus números, ou por seus episódios premiados, seus personagem inesquecíveis. Jornada é grande por nos dar esperanças. Esperança em um futuro melhor. não apocalíptico, onde os humanos aprenderam a ser o melhor que eles puderem para o bem um do outro, para o engradecimento da humanidade. Um futuro em que as diferenças não são ridicularizadas, mas sim celebradas, aceitas. Em épocas tão escuras como estamos vivendo, ter esperança  é muito necessário.